Entrevista: Ednelson Prado - "A população se mantém refém dos governantes. É o voto de cabresto atualizado"

CEO, Jornalista, Professor e Escritor: Ednelson Prado atua profissionalmente no Vale do Paraíba e já esteve em emissoras da grande mídia, como o Rádio Bandeirantes, mas é no litoral norte de São Paulo, em Ubatuba, que tem raízes plantadas e espera contribuir com a cidade pela experiência adquirida. Para isso, se apresenta como um dos nomes à pré-candidatura ao cargo de prefeito da cidade nas próximas eleições.




Confira a entrevista dada ao Cidadania Pensante: 

Cidadania Pensante: A impressão que se tem é a de que o executivo municipal de cidades litorâneas no interior deve se dividir entre munícipes e turistas, atendendo aos interesses de ambos. Isso acontece? Deve acontecer?

Ednelson Prado: As cidades que possuem seu turismo baseados na sazonalidade, de certa forma precisam ter um olhar diferenciado para momentos distintos durante o ano. Não apenas as cidades litorâneas, mas aquelas que sofrem os efeitos de períodos de muito movimento. Ë o caso de Aparecida, que possui em outubro uma movimentação muito maior do que nos demais meses do ano. Sendo assim, nessas localidades, o que temos são duas cidades, uma na temporada e outra fora dela. Cidades que possuem cerca de 100 mil habitantes que passam, por exemplo, na virada do ano a ter mais de 5 vezes mais pessoas circulando pelas ruas, praias. A infraestrutura, muitas vezes, não dá conta da demanda e há uma sobrecarga em alguns serviços, como é o caso da coleta de lixo. Então, sim, o executivo municipal precisa pensar a cidade para este dois momentos, para o turista, mas, também para o morador local. O que muitas vezes ocorre é uma inversão, com atenção voltada ao turista e um descaso com o morador.

CP -  Quais são as principais demandas do município? Aliás, demandas do município e anseios da população são iguais? Como diferenciá-los e explicar essa diferença ao eleitor?

Ednelson: Basicamente, saúde, educação e segurança são problemas comuns no Brasil. No caso das cidades litorâneas, há ainda um problema bastante significativo que é saneamento básico. Existe uma demanda que acaba não sendo atendida e isso vem gerando péssimas expectativas futuras. Importante explicar para o eleitor como se processa a gestão municipal e o equilíbrio entre as demandas, anseios e as possibilidades. O que se observa é que em período de campanha fórmulas mágicas são apresentadas e, na sequência, as promessas não são cumpridas. Essa falta de transparência com o eleitor gera um distanciamento entre os anseios, necessidades e o que se realiza.

CP - É de conhecimento amplo que Ubatuba atrai turistas, sobretudo no verão. Existe uma parceria, estadual ou federal, efetiva de incentivo ao turismo? Se não, como viabilizar? Se sim, o que tem sido feito e como ampliar a iniciativa?

Ednelson: Ubatuba carece, no meu entendimento, de uma política clara de turismo. Sem planejamento, o que se observa é que a cidade vai levando, sendo refém dos acontecimentos. Não há planejamento a médio e longo prazos. Com isso, problemas sérios de infraestrutura afetam a todos. Há possibilidades de recursos advindos do Dadetur - Departamento de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos, mas eles são decorrência de projetos. Algumas ações isoladas, vez ou outra, são vistas, mas nada que possa se dizer que há uma política pública de turismo. Se houvesse um planejamento a médio e longo prazos, teríamos mais possibilidades com a melhora de infraestrutura, qualificação de mão de obra, melhores ofertas e um turismo que conseguisse manter a economia aquecida durante todo o ano. Existe um movimento turístico fora da temporada, mas é muito aquém do potencial da cidade, justamente porque esse potencial não é trabalhado adequadamente.

CP - Agora, Ubatuba, assim como outras cidades menores, não pode viver só de turismo. Quais são as atividades que devem ser fomentadas fora da temporada?

Ednelson: Poderia sim viver do turismo. Isso não corre hoje e, por isso, a construção civil tem papel econômico importantíssimo na cidade. Se o turismo fosse trabalhado como “política de Estado”, seria possível se avançar a tal ponto que a cidade poderia realmente ter no turismo sua principal fonte econômica. Para isso, seria necessário um inventário dos pontos turísticos, uma definição de quais poderiam ser gerenciados pela municipalidade, quais poderiam ser entregues para a iniciativa privada. Uma calendário turístico melhor elaborado e melhor divulgado também se faz necessário. Com isso, um planejamento adequado, um reposicionamento de marca para a cidade, seria possível se imaginar um turismo mais forte ao longo de todo o ano, principalmente considerando a força da culinária local.

CP - É possível pensar em outras alternativas, sobretudo com a tendência de queda no turismo após a pandemia? É um fator que muda os rumos do primeiro ano de gestão de qualquer prefeito?

Ednelson: O ano de 2021 vai ser extremamente desafiador para qualquer prefeito, em qualquer cidade. Aqueles menos estruturadas devem sofrer um pouco mais. O melhor seria que, ao mesmo tempo em que enfrenta essa crise da pandemia no momento, já se iniciasse um planejamento para o fim dela. Não é simples, mas precisa acontecer, se houver interesse em se recupera da melhor maneira após a pandemia. Com menos dinheiro circulando, com a recessão que se aproxima, vai ser preciso muita organização. O primeiro passo, todos sabemos, em momentos de crise, é cortar custos, rever contratos, número de secretarias, comissionados, formas de melhorar a arrecadação sem penalizar a população local. Tem de planejar, não dá pra chegar em janeiro e aí decidir o que vai fazer.

CP - O munícipe, hoje, é colocado em segundo plano? Como priorizá-lo em relação aos turistas?

Ednelson: É necessário entender que a cidade precisa se desenvolver economicamente. Caso contrário, continuará a dependência do poder público. É preciso alternativas para a geração de empregos; é necessário melhorar a arrecadação, sem que isso seja apenas por meio do reajuste do IPTU, porque a população não aguenta mais esses reajustes. Temos de ser criativos, atrair empresas, investimentos. Precisamos de austeridade e transparência, para que a iniciativa privada tenha confiança em investir na cidade. É preciso melhorar a condição de vida da população, melhorar o nível educacional, para qualificar a mão de obra.

CP - Há poucos dias, você fez um post no qual destacou a “colonização da cidade” por parte dos municípios vizinhos. Por que isso acontece? Como mudar o cenário?

Ednelson: Há anos que prefeitos e ex-prefeito de outras cidades interferem na política local. Com isso, os interesses externos se sobrepõem aos interesses locais. Infelizmente, a população se deixa levar por falsas promessas, por cenários construídos à base de acordos e de muito assistencialismo. Tudo isso contribui para um ciclo vicioso, em que parte da população se vê refém do poder público, porque para os governantes isso é interessante, pois mantém o eleitor refém. É o voto de cabresto atualizado. Por isso escrevi que precisamos deixar de ser colônia de outras cidades. Ubatuba é usada para interesses diversos que não o da população há anos, e isso precisa parar.

CPTemos visto uma atmosfera cada vez mais polarizada no Brasil, seja federal, estadual ou municipal. Diante disso, o que esperar desse pleito municipal?

Ednelson: Antes da pandemia eu tinha uma visão positiva, depois que tudo isso começou, confesso, passei a ficar preocupado. Acredito que o pleito acabará contaminado por essa polarização, o que não é bom para o município. A eleição municipal deveria discutir as questões locais. Presidente, governadores, dificilmente dão atenção para a cidade fora dos momentos de crise. Então, ficar preocupados com eles e dar mais atenção a eles do que aos interesses locais é complicado. Porque na hora que o calo aperta, é a cidade que acaba tendo de se resolver, muito pouco vem de fora. O que chegou de ajuda dos governos federal e estadual até agora? Pouco ou quase nada. É a cidade que tem de se resolver. Então, essa disputa ideológica pouco acrescenta ao município, pois não dá conta de resolver os problemas do morador.

CP - Um potencial chefe do executivo, quando se propõe a participar do processo, já sabe o que lhe espera ou “só chegando lá” para ter a dimensão dos trabalhos?

Ednelson: Já sabe, mas é claro que estando dentro é que terá uma real clareza do tamanho do problema. Aquele que se candidata e pinta um quadro lindo para o eleitor o está enganando. Infelizmente, tem muito eleitor que prefere acreditar em algumas falácias, se deixa levar por promessas que, no fundo, ele sabe que não vão ser realizadas. É justamente com essa esperança que muitos candidatos trabalham. Eu sou um pouco mais realista, acredito que o eleitor precisa aprender a ver a realidade a apostar mais em possibilidades concretas. Contos de fada não existem.

CP - Acredita que a eleição acontece ainda em 2020? Caso não, a extensão do mandato beneficia ou prejudica os atuais prefeitos e vereadores? E os candidatos?
Acredito sim. Mudar o ano da eleição causa muitos problemas e abre precedentes perigosos. Ainda somos uma democracia jovem, e prorrogar os mandatos não é algo que seja interessante para o país.

CP - Que mensagem você deixa aos munícipes e turistas de Ubatuba?
Ubatuba é uma das cidades mais lindas do país, tem um povo acolhedor, só tem sido muito judiada ao longos das últimas décadas. Há muito a ser feito, mas é possível mudar certas realidades, basta a população realmente querer essa mudança, só depende dela. Quanto aos turistas, continuem vindo para Ubatuba, mas entendam que ela é beleza que precisa ser cuidada, por todos, inclusive por quem a visita. 

CP - Pra terminar, um livro, filme ou série sobre política e sociedade.

Eu gosto mundo do filme “A Onda”, original de 1981. Acho bem propício para o momento que o país atravessa. Temo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=QBKEi8qamKM

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