Fala, Cidadão! com Pedro Gama - "Minas Gerais está dançando a música que o presidente toca"
Pedro Gama é o primeiro cidadão a responder o quadro de sexta desse blog: Fala, Cidadão! Pedro é advogado pela Universidade de São Paulo, ambiente que, segundo ele, respira política, e o Largo de São Francisco não o deixa mentir. Atualmente de volta a Itajubá-MG, ele advoga e participa da vida política da cidade, fazendo valer seu papel de cidadão na vida pública da cidade.
Confira a entrevista com Pedro:
Cidadania Pensante - O
que é um cidadão pensante?
Pedro Gama: A ideia de “cidadão pensante” é, muitas vezes, confundida com conceitos
intelectualistas, e que nada colaboram para o debate político. “Cidadão
pensante” seria o gênio, de alta escolaridade, que, isolado em sua sala de
estudos e no auge da sua magnitude intelectual, consegue ter uma posição
crítica, autônoma e objetiva acerca de todos os acontecimentos da vida em
sociedade. Mas não é bem assim.
A cidadania é um conceito que flutua no tempo. Na Filosofia Clássica, ser
cidadão era uma verdadeira obrigação moral, dado que os cidadãos eram vistos
como uma parte indissociável do corpo social. A Filosofia Moderna, incorporando
o conceito de liberdade que temos hoje, deu à cidadania o sentido de uma série
de direitos individuais que temos frente ao Estado. O marxismo, por sua vez,
trouxe reflexões necessárias sobre como a cidadania também se relaciona com os
ideais de igualdade social. Na teoria política, há diversas teorias que buscam
normatizar o que seria um conceito ideal de cidadania e democracia, não havendo
uma resposta única neste debate.
Mas um ponto em comum que todas estas discussões perpassam é sobre como a
cidadania é um elo entre o indivíduo com a sua comunidade. Um cidadão pensante
é, antes de tudo, um cidadão que tem consciência deste elo, desta ligação,
desta interdependência inerente às relações sociais. E tendo esta consciência,
o cidadão deixa de pensar que sua vida é uma redoma de vidro apartada de toda
uma realidade social mais ampla, apartada de sua comunidade.
Observem como esta ideia não guarda qualquer relação com escolaridade ou
genialidade intelectual. Pelo contrário, a cidadania pensante está nas
construções coletivas, nas comunidades, nas relações sociais.
CP - Seu
interesse em participar da vida pública como cidadão comum existe há quanto
tempo?
Pedro: Desde o final do ensino fundamental, comecei a ter um interesse muito
grande por matérias como história e geografia, que necessariamente passam por
debates e questões políticas. No ensino médio, o interesse foi aumentando,
passei acompanhar algumas sessões ordinárias da Câmara Municipal de Itajubá, e,
em 2014, fui selecionado para participar do programa Parlamento Jovem
Brasileiro. Trata-se de um programa da Câmara dos Deputados, em que jovens do
Brasil inteiro são financiados para passar uma semana simulando a atividade
parlamentar em Brasília. Na época, fui eleito presidente da minha edição e
considero que esta tenha sido uma experiência decisiva no meu interesse pela
política.
Depois disso, entrei na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e ali é um ambiente que você
respira política quase que o tempo inteiro. Participei de movimento estudantil,
acompanhava alguns movimentos em São Paulo e tive a oportunidade, também, de
conhecer muita gente bacana envolvida com a vida pública nacional.
Depois que me formei e voltei
para Itajubá, não tinha mais como escapar desta vida e, desde então, venho
encampando alguns debates na nossa política local.
CP - As
gerações 1990 e 2000 são mais desinteressadas pelo jogo político e pela vida
pública? Por quê?
Pedro: Não acho que seja uma geração mais desinteressada pela política.
Acredito, sim, que exista uma questão de contextualização histórica que faz com
que seja uma geração que percebe o debate político de uma maneira distinta.
Em primeiro lugar, nossa geração não conviveu com a ditadura militar, nem
em seus tempos mais rígidos e autoritários, nem com a luta da transição
democrática. Nascemos em um país politicamente estabilizado e estruturado sobre
um texto constitucional democrático, progressista e amplamente pactuado na
sociedade. Não fomos perseguidos pelo autoritarismo, nem precisamos lutar
contra ele.
Em segundo lugar, nossa geração nasceu numa realidade em que os espaços
de disseminação da informação, bem como de discussão e enfrentamento estão em
absoluta transformação. A era da internet revolucionou a forma que temos acesso
ao conhecimento, assim como revolucionou as maneiras de se fazer política. Isso
não significa necessariamente uma forma melhor e mais inclusiva, mas que impõe
novos modos de agir aos agentes políticos.
Estas duas diferenças geracionais ainda não foram muito bem compreendidas
por nós, e acho que isso pode passar a impressão de que nossa geração é mais
desinteressada ou menos atuante, o que não necessariamente seja verdade. As
eleições de 2018, em meu modo de ver, são uma grande demonstração de como estas
questões geracionais vêm à tona: ao mesmo tempo em que recolocou o debate sobre
o autoritarismo em ênfase – com um candidato de caráter manifestamente
autoritário -, demonstrou que o espaço das redes sociais se tornou um palco
importantíssimo para se fazer política. Com o tempo, talvez possamos
compreender melhor esses fenômenos.
CP - Sua
opinião sobre o cancelamento, ou adiamento, dos shows em comemoração aos 201
anos da cidade de Itajubá-MG foi divulgado entre várias pessoas da cidade. O
que acontece de fato entre a versão do executivo e a fala da oposição?
Pedro: O orçamento aprovado no fim do
ano passado para a comemoração dos 201 anos de Itajubá previa um investimento
de R$1,5 milhão. Sempre fui muito crítico a esse tipo de política, visto que, além
de colocar um montante de dinheiro desproporcional numa atividade de caráter
eleitoreiro, desvaloriza os artistas da cidade, transforma a pasta da cultura numa
empresa de entretenimento e desvia recursos que poderiam estar sendo investidos
em pautas mais prioritárias (como saúde e desemprego), visto que esta não é uma
verba carimbada.
Ocorre que, com a chegada da
pandemia, a situação se agravou numa dimensão ainda maior. Os shows não
poderiam ser realizados na semana do dia 19 de março – para quando estavam
programados - e o Prefeito decidiu suspendê-los, ou seja, adiá-los para uma
data futura e incerta.
A decisão foi muito criticada, e, junto com alguns vereadores, busquei
mobilizar a população para requerer não o adiamento, mas o definitivo
cancelamento das festividades. Isso porque o Poder Público pode rescindir
unilateralmente os contratos em situação de força maior e interesse público,
como é a situação de pandemia em que estamos vivendo, e não há mais qualquer
sentido em manter empenhado uma quantia volumosa de recursos públicos para
eventos que sabemos que não conseguirão ser realizados este ano, sendo que
vivemos uma demanda sem precedentes na área da saúde pública.
O Prefeito, ciente desta problemática, voltou atrás e declarou num jornal
da cidade que os shows estariam cancelados. Contudo, até o momento, o decreto
de calamidade pública que está em vigor segue prevendo a mera suspensão dos
eventos. Além disso, não conseguimos ter acesso a qualquer aditivo ou termo de
encerramento que, efetivamente, demonstrem que os shows foram cancelados. A
questão é que precisamos continuar acompanhando esta situação para garantir que
esses recursos públicos sejam, o mais rápido possível, recuperados para serem
redirecionados no combate à pandemia. A população não quer saber e não precisa
de festas neste momento.
CP - No
âmbito estadual, como Minas Gerais se comporta frente à pandemia?
Pedro: Estamos vivendo, hoje, um momento histórico na configuração do
federalismo brasileiro. Particularmente, desde a Constituição Federal de 1988,
não consigo me lembrar de algum acontecimento que tenha causado este tipo de
impacto na relação entre União e Estados. De um modo geral, os Estados têm
puxado a linha de frente numa política mais rígida de isolamento social, em
constante embate com o Presidente da República. Minas Gerais, contudo, parece
não estar neste mesmo barco. O governador Zema, sendo fiel às ondas em que
navegou para conseguir ser eleito, segue aliado ao governo federal, e acabamos
dançando mais a música que o Presidente toca, e sabemos que é uma música de
ritmo quebrado, que vai e volta, e isso tem se refletido diretamente nas
decisões desuniformes tomadas pelo prefeito de Itajubá.
A população, por outro lado,
parece também estar confusa em relação a este tipo de comportamento. A inexistência
de testes suficientes e a lentidão das estatísticas oficiais causam uma
sensação ilusória de segurança, e a crise econômica é absolutamente real, o que
facilita o discurso confortável de transferir ao isolamento todas as raízes do
problema. Infelizmente acho que vamos pagar um preço caro por tudo isso.
CP - Bolsonaro
tinha todos os motivos para colocar a crise na conta da pandemia, mas parece
lutar contra a realidade. É essa a impressão que se tem?
Pedro: Acho que um erro recorrente de análise é compreender a atuação de
Bolsonaro como uma sequência de irracionalidades e mistificações, sendo que, do
ponto de vista político, certamente o seu comportamento se pauta por algum
método e estratégia, ainda que não o tenhamos desvendado.
O núcleo duro e ideológico do bolsonarismo segue intacto. A lentidão das
estatísticas oficiais causa uma falsa sensação de segurança. A crise econômica
é real, e o discurso do Presidente atinge diretamente a população, porque não
há como negar que o desemprego já está assolando o país em níveis incomparáveis
na nossa história econômica recente. Além disso, não é de hoje que Bolsonaro se
coloca como o político contra o sistema, contra os políticos tradicionais,
contra as instituições, contra a grande mídia. O olavismo, por sua vez, é um
enfrentamento direto à tradição científica e acadêmica.
Nesse sentido, o comportamento de Bolsonaro contra as organizações de
saúde, contra as organizações internacionais, contra os governadores, contra o
Congresso Nacional e o Poder Judiciário, bem como contra a ciência e a mídia
são completamente coerentes com o discurso que o elegeu, e isto justifica que o
Presidente segue tendo um considerável apoio popular. E ele já deu provas que
não vai retroceder tão cedo, ainda que o custo sejam vidas. A radicalização de todos os embates é
fundamental para a sobrevivência do bolsonarismo.
CP - Que
peças sairão fortalecidas do jogo político rumo à presidência em 2022? Que
peças sairão enfraquecidas ou descartadas?
Pedro: Os últimos 4 anos de história política nacional dão conta que qualquer
análise a longo prazo não consegue ultrapassar a qualidade de um pitaco de bar.
O cenário de grande e duradoura instabilidade que se projetou desde a reeleição
de Dilma dificulta, em meu modo de ver, uma projeção mais rígida.
Mas, se tivesse que arriscar o meu palpite de boteco, diria que 2022 viveremos
um embate entre bolsonarismo e um novo outsider que busque reconciliar o
centro democrático do país, ainda que, em termos de pauta econômica, pouco se
diferencie do projeto que representa Jair Bolsonaro. Acho que a esquerda não
conseguirá se recuperar do baque que foi 2016-2018 tão cedo e correrá por fora.
Candidatos tradicionais também têm pouca chance de descolar e acho que, por
isso, Ciro Gomes também não chega a ser uma opção.
A grande questão é quem será o
candidato bolsonarista – se o próprio Bolsonaro ou outro aventureiro que se
aproveite desta onda -, e quem será este centro liberal-democrático. Um palpite
irresponsável: Luciano Hulk desponta como um nome cada vez mais forte para este
segundo papel.
CP - Uma
dica cultural aos que se interessam por Política, Cidadania ou Sociedade?
Pedro: Tenho aproveitado a quarentena
para ler mais e assistir a mais filmes. Sem uma linha em comum. Romances,
dramas, clássicos, nacionais, latinos e internacionais. Acho que uma boa
formação política, cidadã e social requer um acervo amplo e diverso. Como disse
anteriormente, a falsa intelectualidade é o extremo oposto à cidadania. Minha
grande dica é que, independentemente do que se leia ou assista, busquemos
sempre fazer relações da obra com nosso cotidiano, e pensar que ela não se
encerra em si mesmo, mas fazer parte dum ciclo de teses e antíteses. Para não
ficar apenas no abstrato, vou deixar aqui três dicas para este período de
isolamento social.
A primeira, para pensarmos um pouco no que estamos vivendo, o livro A
Peste, do argeliano Albert Camus, escrito em 1947.
A segunda, para pensarmos um pouco sobre nosso país, o documentário “O
Povo Brasileiro”, produzido em cima da obra de mesmo nome, do sociólogo e
antropólogo Darcy Ribeiro.
Por fim, para acompanhar um pouco
sobre a política local em Itajubá, recomendo o blog “Viver é Perigoso” (http://www.vivereperigoso.com/), do meu
querido amigo e mestre Zezinho Riêra.
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