Painel Pensante - Paulo Valle: "O posicionamento da igreja deve ser o de resguardar as pessoas"

O Painel Pensante de hoje é com Paulo Valle. Ele é pastor da Igreja Batista do Redentor em Volta Redonda - RJ, professor no Seminário Martin Bucer e uma das vozes ativas quando o assunto é política e teologia. Nesta entrevista, ele alerta sobre o que a pandemia pode nos ensinar e como devemos nos comportar frente aos decretos governamentais.

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Confira a entrevista: 

Cidadania Pensante - É possível afirmar que há uma nova "República dos Governadores?
Paulo Valle: Existe uma legitimidade constitucional pelo modelo de federação que existe no Brasil, que dá autonomia aos governos estaduais e municipais. Talvez o que não tenha havido nos governos anteriores é esse elemento de confrontação, de maneira mais aguda nos estados do Rio e de São Paulo. É verdade que algumas decisões soam muito mais como autoritarismo do que o exercício da autoridade.
Está evidente de que é constitucional, mas, para que não percamos a centralidade do país como nação, isso pode ser ruim se a vaidade dominar o coração tanto de quem está na esfera federal quanto de quem está na esfera estadual.
Cidadania Pensante - Não era isso o que víamos recentemente, no período eleitoral...
Paulo Valle: Eu vivi o período eleitoral do Rio e é fato que o Witzel foi eleito por causa do Bolsonaro e até conscientemente ele sabe, mas ele tomou uma rota de conselho de governadores para esse enfrentamento com o governo federal. Eu temo desdobramentos disso, ainda que exista legitimidade constitucional para a ação deles.
Cidadania Pensante - O Witzel, na sexta-feira, sequer estaria no segundo turno...
Paulo Valle: Parece que foi um posicionamento do Bolsonaro que deu a vitória a ele e, talvez por isso, o nível de decepção seja “hard”, hoje a gente tem a possibilidade dele seguir o mesmo rumo dos ex-governadores do Rio de Janeiro. A gente vive numa verdadeira feira de vaidades e, com essa situação aguda, isso fica cada vez mais evidente para todo mundo.
Cidadania Pensante - Bolsonaro é o Lula às avessas em termos de defesa implacável do eleitorado?
Paulo Valle: A maneira como o povo se comporta em relação ao Bolsonaro, ao meu ver, pelo modo como a coisa reverbera, aponta que ele tenha a grande maioria dos eleitores. Podemos cair no campo do exagero, por isso alguns eleitores de Bolsonaro podem, sim, ser eleitores de Lula às avessas, porque a tendência social que envolve a massa, o povo faz com que algumas pessoas tomem posições conscientes e outras que vão “na leva.”
Foi dito pelo Presidente da Câmara, por exemplo, que essa adesão ao Bolsonaro seria uma questão de robôs. Eu tenho reparado que essa declaração é verdadeira, mas também não. Eu não acredito que sejam robôs propriamente ditos, mas basta que alguém impulsione uma hashtag, todo mundo de maneira robotizada, sem justificativa, “levanta” essa hashtag. É um comportamento robotizado, porque existem pessoas que não se dão ao trabalho de refletir.
São altas as possibilidades da repetição do fenômeno do exagero por parte dos eleitores do Bolsonaro.
Cidadania Pensante - Ele já não tem mais o eleitorado de 57 milhões de pessoas que o levou à Presidência da República, mas pensa que sim. Isso é perigoso...
Paulo Valle: Sim, é perigoso. Eu acredito que nós teremos novos eleitores, mas não sabemos a resposta deles, pelas influências, mas me parece que o presidente ainda tem uma maioria considerável dos eleitores, pelo modo como as coisas se reverberam, pelo modo como as pessoas atendem às convocações que são feitas.
Cidadania Pensante - Percebemos, também, um certo exagero em identificar eventuais candidatos à presidência da República, como foi com Moro e, agora, com Mandetta. Existe uma carência, uma necessidade em procurar um candidato?
Paulo Valle: Eu concordo. Eu acho que existe um medo do desdobramento desse governo. Se ele cometer algum equívoco a ponto de não ser reeleito, ou não conseguir eleger alguém, o poder volta para as mãos da esquerda e dificilmente se conseguirá reaver isso.
Eu fico apreensivo com esse jogo de interesses e vaidades nas esferas e nos poderes de maneira muito acentuada. Então, acho que essa tentativa é muito em função do medo, do temor de perder o poder.
Cidadania Pensante - Qual deve ser o papel do cristão diante da pandemia?
Paulo Valle: A igreja, no que não contraria pressupostos bíblicos e teológicos que se opõem à fé cristã, deve atender às orientações dadas pelas autoridades. Nem mesmo no período da Peste Negra tivemos algo parecido, então é tudo muito novo até para lidar teologicamente com as questões, por exemplo, de batismo on-line, ceia on-line. Teologia Sistemática surge dessa demanda histórica em que você precisa se posicionar de maneira fiel ao que a Bíblia diz e formula em um documento para futuras gerações.
O posicionamento da igreja deve ser o de resguardar as pessoas. Particularmente, acredito que poderíamos ter feito o isolamento de outra maneira, mas não foi o recomendado, então, minha iniciativa como pastor local foi atender ao decreto do Governo Estadual.
Não é um bom testemunho manter a igreja em funcionamento. Se foi a melhor decisão, é outro debate.
Cidadania Pensante - O on-line não existia na época da Peste Negra. Isso torna as decisões muito novas...
Paulo Valle: Os credos, os concílios e as confissões de fé surgem para atender demandas históricas. A partir dos acontecimentos históricos, você analisa o que está sendo visto à luz das escrituras e formula a doutrina.
Eu tenho permanecido em casa e nós temos mantido uma dinâmica em que só o meu filho sai para trabalhar e pouco contato com outras pessoas. Se existe a possibilidade de manter certo grau de convivência física, deve-se fazer.
Cidadania Pensante - O que a Covid-19 deve ensinar ao cristão? E à Igreja como instituição?
Paulo Valle: Existem muitas coisas que a Covid-19 pode nos ensinar. O Novo Testamento ensina basicamente que a igreja existe, mas não depende do templo. Na história de Israel, o povo ficou privado do templo, porque estavam distantes de Jerusalém e com o templo parcialmente destruído. Para o povo de Israel, a ausência do templo foi suprida pela presença da Palavra. O princípio de que Deus não habita em templos feitos por mãos humanas é encontrado nos Profetas.
Nós temos a Palavra. O fato de estarmos privados da convivência com os irmãos e de fazer os nossos cultos de maneira pública não coloca a igreja em risco, mas a preserva pelas Escrituras e pelo Espírito que nos conduz. Há uma responsabilidade com o corpo na minha individualidade, na medida em que eu estudo as Escrituras e oro por aqueles que estão enfrentando dificuldades.
Outro ponto é um elemento escatológico do ponto de vista da teologia bíblica. Eu vejo como algo que aponta para uma realidade futura e, por isso, a igreja precisa retomar a consciência da eternidade e da vinda de Cristo, que são amplamente esquecidos no contexto da igreja pelas pregações.
Uma pandemia faz-nos olhar para o futuro e aponta para uma realidade que virá e pode ser até daqui a pouco. Remete à vinda de Cristo e faz com que nos ajustemos à realidade eterna. O que regula a minha vida como discípulo de Cristo aqui na terra são as realidades eternas e, por isso, temos que ansiar e viver de acordo com os padrões da eternidade e a pandemia nos ajuda a compreender a efemeridade da vida, com os números atualizados a cada dia.
Cidadania Pensante - A Igreja contemporânea tem prioridades erradas diante do quadro em que estamos vivendo?
Paulo Valle: Sim, na verdade a natureza humana prioriza o que não deveria. Isso é um problema da humanidade e é uma consequência do Éden. Nós temos a tendência, pelas nossas capacidades de ver as coisas, de perceber as coisas e a igreja de não priorizar o que deveria ser priorizado, porque temos lentes para vê-las, de modo que não consigamos ver de maneira perfeita.
É um risco que todos corremos quando valorizamos algo que não devemos valorizar. De certo modo, a relação que Cristo faz com os olhos e o restante do corpo tem a ver com a forma de enxergar as coisas. A igreja pode e tem perspectivas erradas e encontramos respaldo tanto no Antigo como no Novo Testamento.
Hoje a igreja comete equívocos também porque temos perspectivas equivocadas.
Cidadania Pensante - De que maneira o cristão pode ser mais consciente do papel na sociedade? O estigma de alienado já ficou no passado?
Paulo Valle: Eu gostaria muito de poder admitir que nós estamos tomando o caminho adequado na busca pelas respostas que surgiram, mas eu não tenho coragem. Pessoas que se autodeclaram reformadas e muitos reformados não aplicam o princípio de Sola Scriptura para o momento em que estamos vivendo. Eu vi alguns dando muito mais explicações filosóficas, sociológicas do que bíblicas para algumas perguntas. Se há um elemento de consciência, esse elemento está predominantemente no meio reformado, mas eu não tenho coragem de afirmar que todos os reformados têm esse elemento de consciência. Lá fora também, existem pastores preocupados, interessados em saber o posicionamento bíblico, mesmo não sendo reformados.

Dicas culturais sobre cidadania, política ou sociedade:

Paulo Valle: Revolução dos Bichos – George Orwell: É um quadro interessante sobre o poder e os comportamentos a partir dele e pode ser aplicado não só na política, mas em outros ambientes da sociedade. É um mapa sobre o que pode acontecer com qualquer ser humano.
Por que o Brasil é um país atrasado? – Luis Philippe de Orleans e Bragança: apresenta um panorama de organização de estruturas políticas desde o Reinado até a República.
Contra a idolatria do Estado – Franklin Ferreira: aponta o aspecto quase que religioso atribuído ao Estado e que, às vezes, não precisamos nos dobrar às medidas.
A República hebraica – Enoch Wines: Deus estabelece o Estado Hebreu de maneira republicana, com a citação de diversos textos apontando para a representatividade e escolha de pessoas em cargos importantes.



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