Cidadã Pensante: Letícia Prates - "A 'metamorfose' foi na maneira de encarar a vida.
Confira a entrevista:
Cidadania Pensante: Desde
2014, a vida deu uma daquelas voltas que nunca nos colocam no mesmo lugar. Qual
a principal lição que o câncer trouxe à Letícia de 2020?
Letícia Prates: Hoje, seis anos depois,
sinto-me mais saudável do que nunca. Cuido muito melhor da minha alimentação,
pratico atividade física com freqüência e faço algumas aulas de yoga e
meditação para equilibrar a mente também. Mudei completamente minha forma de
ver e sentir a vida. Hoje aproveito muito mais o presente. Afinal o passado já
foi e o futuro ninguém sabe.
Cidadania Pensante: Como é o atendimento ao paciente na rede em que você é acompanhada?
Letícia: Em 2014, quando
diagnosticada pela primeira vez, fiz o tratamento completo pelo SUS. Quando
tive a recidiva em 2017, precisei ir para a rede particular. O SUS me
respaldou, de maneira que finalizei o tratamento e recebia medicação de alto
custo gratuitamente.
Cidadania Pensante: O
sucesso do tratamento está diretamente relacionado às condições de tratamento
recebidas pelo paciente?
Letícia: Sem dúvidas. O tratamento é
longo, cansativo e perigoso. É preciso ter uma equipe e uma rede de apoio para
passar por esse ciclo complicado. Utopicamente falando, o ideal seria uma
interdisciplinaridade no tratamento, que contemplasse além de médicos e
enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, fisioterapeutas, nutricionistas,
preparadores físicos, etc.
Cidadania Pensante: Há
um descaso por parte das autoridades com os pacientes atendidos pela rede
pública? Você tem contato com outras pessoas que têm ou tiveram a doença neste
intervalo?
Letícia: Infelizmente o descaso das
autoridades é uma constante em diversas áreas, principalmente nos últimos anos.
Notei uma queda brusca na qualidade de atendimento do SUS, desde o material
usado nos procedimentos, demora no atendimento, falta de estrutura. Faz parte
do plano de sucateamento das políticas públicas pelos programas liberais. Tenho
contato com diversas pessoas, inclusive muitos jovens, que lutam contra o
câncer, tanto na rede pública quanto na particular. Já perdi muitos
companheiros para a doença.
Cidadania Pensante: Qual a maior necessidade do paciente além da “cura”? Em que o Estado pode contribuir com isso?
Letícia: Lembrando que o câncer é uma
doença crônica, existem momentos em que a doença entra em remissão. Porém, o
tratamento, a manutenção e o monitoramento continuam por toda a vida. Uma
pessoa normal faz exames de rotina anualmente, uma pessoa com câncer faz a cada
três meses nos primeiros cinco anos após os protocolos de quimio e
radioterapia. O Estado deveria garantir a saúde dos cidadãos, investir mais no
SUS que é um modelo elogiado no mundo todo. Principalmente, por estarmos
vivendo numa pandemia que explicitou a falta de preparo de todos os países em
relação à saúde.
Cidadania Pensante: Há
uma luta mais ativa pelos direitos da mulher em seus conteúdos. Qual o papel
dessa metamorfose “causada” pela doença?
Letícia: A luta pelo direito das
mulheres está incutida em mim desde que eu nasci. Nunca achei justo homens
terem mais liberdade que mulheres em todos os aspectos, sócio, político
econômico, desde que o mundo é mundo até hoje, em escala menor, graças à luta
de mulheres de outras gerações. Quando eu cresci e me formei como profissional
e pessoa, descobri que a pessoa que busca igualdade entre gêneros é feminista.
Logo, sou feminista desde criancinha. Só não sabia a nomenclatura exata. Hoje tem
no mundo um movimento grande que vem se formando contra o machismo, homofobia e
racismo ao redor do mundo. Devo dizer que me identifico bastante com a causa.
Afinal, somos todos seres humanos e toda forma de vida deve ser respeitada.
Não vejo relação entre a doença e a minha desconstrução. Acredito que seria feminista com ou sem câncer. Afinal, sou mulher há muito tempo e não faria sentido não abraçar a luta pela igualdade de gêneros.
A “metamorfose” foi na maneira de encarar a vida. Como lidar com as situações controversas que a vida apresenta de maneira mais tranquila. Buscando soluções efetivas dentro do contexto proporcionado. Gasto mais energia pensando em como resolver do que pensando no problema em si.
Cidadania Pensante: Politicamente,
você tem a intenção de intervir para melhorar as condições da saúde na região
onde você mora?
Letícia: Politicamente, não. Mas
sempre que, legalmente, for possível pressionar órgãos governamentais a
executar suas funções, fazendo campanhas, parcerias, grupos, etc.
Cidadania Pensante: Que mensagem você pode passar aos pacientes com câncer que nos leem?
Letícia: Mar calmo não faz bom
marinheiro. É só uma fase. Uma fase complicada e difícil, mas uma hora acaba.
Saímos da tempestade mais fortes do que entramos.
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