Cidadão Pensante: Marcelo Pimentel: "Quem politizou a pandemia foi o Bolsonaro, não foram os governadores."
Ele é marqueteiro. Embora o termo ainda soe pejorativo no Brasil, fala com tranquilidade sobre as funções e diz que os que fazem esse papel facilitam a relação entre os políticos e a sociedade, e não devem se arriscar na gestão de políticas públicas de seus clientes. "Quem chuta a bola é o gestor, não o marqueteiro". Marcelo Pimentel também é professor e cidadão pensante.
Confira a entrevista
Cidadania Pensante: Quando nos envolvemos muito com determinada área, perdemos o encanto por ela. Isso é verdade?
Marcelo Pimentel: É. Eu fiz uma linha
histórica da minha trajetória, em 1988 eu fiz minha primeira campanha como
marqueteiro. A gente sempre busca conhecer a figura e acaba se apaixonando e se
decepcionando. Eu trabalhei por um tempo com o criador da Rede Povo do Lula e
ele me dizia que eu era muito apaixonado e que eu não devia viver essa ilusão e
de que é tudo igual. Hoje, eu tenho essa visão dele.
Perdi um pouco a paixão
pelos políticos, mas acho necessário, em todo trabalho, você ter um grau de
envolvimento e nesse grau de envolvimento você procura passar um pouco de
conceitos que possam despertar na pessoa um espírito público.
Depois que passa a eleição,
fica por conta do político esse afloramento pelo espírito público. Os políticos
estão ficando muito previsíveis, você já não tem aquelas lideranças que
empolguem as pessoas.
Cidadania Pensante: O Marcelo de hoje atua apenas profissionalmente, ou ainda tem um ideal
político?
Marcelo: Depois dessa hecatombe política
que estamos vivendo, em que a gente passa a ter um conflito entre a civilização
e a barbárie, eu cheguei à conclusão de que eu tenho que sair da zona de
conforto e me posicionar politicamente, tanto que eu evitava, ao máximo, me manifestar
e ultimamente eu passei a me manifestar até demasiadamente pela condição
profissional.
O momento histórico pelo
qual o Brasil passa me obriga a ter uma posição. E não é uma posição
ideológica, mas da civilização contra a barbárie. A defesa dos marcos
civilizatórios, do Estado democrático de Direito, dos valores da democracia
representativa e ocidental contra o que temos visto.
Cidadania Pensante: Muito se fala que a ida antecipada de Jair Bolsonaro às redes foi
fundamental para que a campanha ganhasse força, claro, somado a outros fatores
desde 2013. Você concorda que esse tenha sido o principal mérito da campanha?
Senão, qual foi?
Marcelo: Foi o PT que lançou a campanha
“nós contra eles”. Quem seccionou a sociedade brasileira foi o PT. O PT foi o
grande responsável por criar uma divisão desnecessária de que existem
brasileiros e brasileiras. Nesse momento de polarização muito forte, a figura
de Jair Bolsonaro como antissistema caiu muito bem à sociedade. Foi algo muito
bem programado.
Essa articulação da Direita
internacional estrutura as redes sociais e cria uma instrumentação para que o
Bolsonaro se transformasse no “Mito”. Isso é uma fraude, a mesma que foi feita
com o Collor na construção da figura do “Caçador de Marajás”.
Tinha-se o ensaio da
esquerda para criar uma hegemonia política, que é desnecessário. O valor
principal da democracia representativa é a alternância de poder. Quando se cria
um grupo hegemônico que vai se sucedendo no poder, pode ter certeza de que a
democracia está falhando.
Esse é um fenômeno típico da
América Latina: é assim na Venezuela, na Colômbia com a direita... Ninguém quer
largar o osso.
Tem os bons exemplos, como
no Uruguai, em que a esquerda passa o poder para Direita de maneira muito
tranquila. A maturidade da democracia ainda não chegou ao Brasil.
Cidadania Pensante: Houve uma onda conservadora que levou empresários e
juízes a gestores estaduais em 2018. Você acredita que ela dura mais um ciclo,
ou os resultados das gestões podem favorecer novamente à onda popular?
Marcelo: O problema é ficar nesta
polarização. O Bolsonaro sempre foi isolado na Câmara dos Deputados, alguém
raso, vazio de ideias. Não tem um líder para comandar esse país. Com todos os
outros, com todas as críticas havia uma ideia, uma condução do processo de
gestão, que hoje não existe.
A gente não sabe como o
eleitor vai se comportar em 2022. Ele ainda mantém 30% do eleitorado cativo a
ele diante de todo caos, sem uma política pública com êxito. Cadê o posto
Ipiranga que seria a redenção da economia? É uma fraude! O presidente é uma
fraude! O ministro da educação é uma fraude! O ministério da saúde está a Deus
dará. Como os militares aceitam um papel dessa natureza? As Forças Armadas
reconstruíram a credibilidade a duras penas, respeitando o processo eleitoral,
numa crescente de credibilidade e coloca-se tudo a perder porque ele é
dissociado da realidade.
É difícil traçar um panorama porque não
sabemos como sairemos dessa pandemia. Depois vem a crise econômica que vai se
aprofundar, o caos social... Não sabemos se o eleitor vai buscar um novo salvador
da pátria ou se vai optar por alguém mais pragmático, de resultados. Tudo está
muito no plano das hipóteses.
Cidadania Pensante: Você tem uma ligação com Portugal, pelos amigos e pela formação
profissional. A que se deve a diferença de atitudes do primeiro-ministro de
Portugal, Antonio Costa, e o presidente do Brasil?
Marcelo: Foram seis anos trabalhando em Portugal em meio às especializações, entre 2012 e 2018. Em 2013, eu
fiz uma campanha do prefeito de Vila Real de Santo Antônio, o Luis Gomes, do
PSD, partido de centro-direita, convivi com muita gente do Partido Socialista, do Antônio Costa. Em Portugal,
não houve politização da pandemia: o presidente de Portugal é de um partido de
direita, o Primeiro-Ministro, de esquerda, os dois sentaram na mesma mesa,
discutiram ações e trabalharam em conjunto.
O que houve no Brasil foi um
crime porque o Presidente deixou o Ministério da Saúde estabelecer as
estratégias da ação e todas elas foram adotadas por Rio e por São Paulo. Do
nada, o Presidente disse que não era nada disso e colocou a culpa nos
governadores que estavam fazendo o que o Ministério da Saúde recomendou. Ele quebrou
a hierarquia. Daí foi para gripezinha, para a cloroquina, que vai salvar todo
mundo, tudo no achismo... Quem politizou a pandemia foi o Bolsonaro, não foram
os governadores.
Os prefeitos entraram em
pânico e não sabiam o que fazer, demonstrando imaturidade política. Então, em
Portugal, houve uma convergência para vencer o vírus, embora Portugal seja do
tamanho do Rio de Janeiro. Portugal nos deu um banho.
Cidadania Pensante: Nas andanças pela Europa, foi possível identificar um modus operandi político diferente do
brasileiro? Um coordenador de marketing lá é mais importante que aqui?
Marcelo: Primeiro, falando dos países
ibéricos, como são regimes parlamentaristas, as eleições são diferentes, porque
você vota na chapa, e não no nome. Isso altera muito porque não se tem a figura
do guru que resolve tudo. O marqueteiro lá não é esse “deus”, porém eu acredito
que haja uma subvalorização do papel do marqueteiro.
A representatividade de quem
é eleito está diminuindo cada vez mais. Lá eles não dão o valor ao Marketing
como deveriam, nem endeusam. Aqui você tinha as eleições do Duda Mendonça e do
João Santana, que eram os papas do processo. Essa figura do mago não deve
existir, porque o marketing é uma ferramenta, e nós somos facilitadores da
relação do político com a sociedade.
Cidadania Pensante: Um dos principais nomes envolvidos em escândalos nos governos do PT foi do marqueteiro João Santana. Que liberdade tem um coordenador de marketing depois que o cliente é eleito?
Marcelo: O marketing deve ser um
processo contínuo. Nós temos o marketing eleitoral e o marketing governamental Deve-se
ganhar a eleição e seguir assessorando. O que não pode é o marqueteiro se achar
gestor público.
Na campanha em que o [Paulo]
Maluf ganhou em São Paulo, inventou-se o “Fura Fila” que resolveria o problema
do transporte público em São Paulo. Era um Fake, mas ajudaria. O João Santana
se achou gestor público, ele propunha soluções, assumindo um protagonismo que
não é do Marketing, mas do gestor.
Cidadania Pensante: Você foi coordenador de uma campanha presidencial em 2014. Como foi a
experiência?
Marcelo: Foi muito bacana! Desde o
começo a gente fez um trabalho de posicionamento do partido e do pastor (Everaldo) no
processo. Nossa ideia era ter 8% dos votos no primeiro turno. Como morreu o
Eduardo Campos e a Marina assumiu o posto de candidata à Presidente, ela catapultou
os votos evangélicos e nós desidratamos.
Eu viajei o Brasil inteiro,
era uma outra dinâmica, mais peso, embora a campanha tenha sido modesta. Fizemos
uma viagem de três dias: saímos do Rio para Aracaju, de Aracaju para Maceió, de
Maceió para Brasília, de lá para o Gama [cidade-satélite], depois para Campo
Grande, dali para São Paulo.
Fazer uma campanha
presidencial e abraçar o Brasil é algo fascinante. Era o sonho da minha vida,
depois de fazer uma campanha para governador e uma campanha internacional, no
Paraguai com Henrique Riêra [Senador], campanha em Portugal... Faltava a eleição
presidencial.
Cidadania Pensante: Foi a campanha mais prazerosa nesses anos? Por quê?
Marcelo: Não. A mais prazerosa foi em
2016 na eleição para prefeitura em Porto Velho. Começamos a eleição com 3%, na
última semana com 4%, e fizemos uma estratégia para o último debate. Viraliza um
vídeo editado do debate e a gente parte em disparada e ganha a eleição. Foi a
mais emblemática porque era improvável.
Cidadania Pensante: Você está na ativa para as eleições municipais desse ano, ou vai
concentrar esforços para eleições estaduais, ou até presidenciais em 2022?
Marcelo: Estamos negociando cinco
prefeituras no Rio [de Janeiro], em São Paulo, Ubatuba, Taubaté, Caçapava, tivemos uma reunião em São José dos Campos...
Cidadania Pensante: A pandemia da Covid-19 acelerou o trabalho dos assessores? Como isso
pode ser explorado nas próximas eleições?
Marcelo: A pandemia está atrasando o
processo pela indefinição do calendário. Enquanto não tiver a definição, os
mais experientes é que estão definindo estratégias e analisando impactos da
economia na pandemia.
Para fechar, o Bolsonaro é assessorado?
Marcelo: Tudo é feito de maneira
pensada. Ele trabalha no “quanto pior, melhor”. No fundo, o projeto era dar um
golpe. Ele foi esticando a corda e sentindo um ambiente. A assessoria é
igualmente radical. Eles têm uma visão de destruir o inimigo e na política você
não destrói o inimigo, você neutraliza o adversário. Ele tem um pensamento
assessorado pelo Bernie Sanders para esticar a corda e, quando percebe que não “colou”,
ele recua.
É muito ruim o que a gente
está vivendo. Eu não pensei que eu ver coisa tão ruim. Eu convivi com governo
Sarney, com governo Collor, com Governo FHC, com Governo Lula, com a Dilma, que
foi uma tragédia, mas a Dilma nunca tentou contra as instituições. O melhor de
todos chamou-se Itamar Franco. Ele reuniu todo mundo para salvar o país. Até a
Luiza Erundina foi ministra dele numa época em que o PT era contra. A gente
precisa de um novo Itamar Franco para este momento.
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