Entrevista: Prof. Ms. Elias Louzeiro - "Os rumos da Educação devem ser debatidos pelos especialistas no assunto, não pelos palpiteiros"
Elias Louzeiro é professor, mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, cursa o Doutorado em Literatura Comparada na Universidade de Motreal. Ele nos conta sobre a diferença de concepção sobre a entrada no Ensino Superior, fala sobre o negacionismo brasileiro e afirma que não se pode haver palpites quando o assunto é educação.
Confira a entrevista:
Cidadania Pensante: Recentemente, vimos uma pauta educacional ser alvo de interesse nacional, como há muito não se via. Com a sua experiência em um país mais desenvolvido nesses aspectos, é possível dizer que o povo brasileiro é desinteressado pela educação e que, na verdade, isso foi mais uma das tantas polarizações políticas?
Elias Louzeiro: Primeiramente, obrigado, Rafael, por me convidar para participar desse espaço de debates. Falar sobre educação é sempre desafiador. A educação pública é um dilema antigo no Brasil, vivemos sempre na expectativa de ela ser aperfeiçoada. Sua pergunta resvala em diversos pontos. Em primeiro lugar, não diria que o brasileiro médio é desinteressado pelos estudos. Essa afirmação não leva em conta um detalhe importante: os estudos de qual disciplina? Os estudos utilizando qual método? Para se responder a essa pergunta precisamos saber, em primeiro lugar, que tipo de escola utilizaremos como padrão? Uma escola pensada para qual tipo de sociedade?
O que quero dizer é o seguinte: a sociedade mudou, mas os conteúdos e as formas de aprendizado permanecem inalteradas. Essa inércia do sistema educacional brasileiro provoca uma ruptura entre o aluno e o corpo docente, e, sobretudo, uma ruptura entre o aluno e o conhecimento.
O sistema educacional brasileiro é pesado e conteudista, exige-se demais do aluno. Pode parecer absurdo o que estou a dizer, mas é verdade. Digo isso com minha experiência de dez anos de sala-de-aula. O excesso de conteúdo gera desgaste no estudante e revela a face mais perversa da educação; nós, enquanto sociedade, apostamos na falha dele, e não em seu êxito.
O que também revela nosso comportamento enquanto sociedade é que somos uma sociedade punitivista e esse comportamento ecoa em diversas instituições.
Quando te pergunto qual o propósito da escola, quero saber a fim de que exigimos dele um determinado número de conteúdos? E já te respondo: a escola brasileira deseja apresentar os conteúdos dos exames de vestibular/Enem. Isso é um erro pois a escola passa a se prestar tão somente ao âmbito competitivo, e ela não foi pensada para isso.
O sistema educacional não se tornou, ele é parte do debate político, pois é responsabilidade do Estado ditar os rumos da educação e isso é perfeitamente aceitável. O que eu não aceito é a forma e o propósito do debate. Em primeiro lugar a Educação – e a ponho em letra maiúscula, substantivada – não pode ser pautada por um conjunto de leigos. Ela é importante demais para que todos interfiram nas decisões a serem tomadas. Pode parecer arrogante de minha parte ou antidemocrático assim dizer. No entanto, os rumos da Educação devem ser debatidos pelos especialistas no assunto, não pelos palpiteiros, ela é um assunto técnico e não tolera a interferência de toda a sorte. Em segundo lugar, esse caráter espartano do sistema de ensino proposto pelo atual governo é descabido, e contrapõe a natureza polivalente do ensino.
Cidadania Pensante: Sua atuação no Canadá está mais voltada ao Ensino Superior. Com o que o Brasil poderia aprender junto à educação canadense enquanto ciência?
Elias Louzeiro: Bem, Rafael, a pergunta que você me faz é bastante capciosa. A educação pensada como ciência, a ciência do aprendizado, a ciência da partilha de conhecimento... É um grande desafio entender a educação por tal prisma, uma vez que, há mais de cinquenta anos, o Brasil pratica um outro tipo de ciência da educação – seja a educação tecnicista, voltada para o mercado de trabalho, ou a educação mercadológica, que a transformou em produto vendável em todos os níveis. No entanto, nenhuma delas impulsiona o pensamento científico voltado ao progresso e à inovação; a primeira por possuir um caráter limítrofe e a segunda por sua natureza frágil e mal elaborada. O resultado é o mal aproveitamento de nosso potencial.
Cidadania Pensante: Há uma diferença de concepção da avaliação entre Canadá e Brasil. A avaliação continuada é o melhor caminho para o ingresso no Ensino Superior? Por quê?
Elias Louzeiro: A avaliação continuada é a melhor opção não apenas para o ingresso na universidade, como também é o melhor método de ensino aprendizado que se tem notícia, pois ele se opõe ao pensamento imediatista. O aluno é acompanhado em seu percurso escolar, e não em um único momento de sua trajetória. É claro que essa metodologia pode ser aperfeiçoada. Universidades como a UnB já, há tempos, adotaram essa modalidade de seleção e têm obtido excelentes resultados. Poderíamos ainda falar dos benefícios da avaliação continuada e do sistema de ciclos educacionais, tão mal aplicados em nosso país.
Cidadania Pensante: O Ensino Técnico é subvalorizado no Brasil? Como se dá o funcionamento dessa modalidade no Quebec?
Elias Louzeiro: No Brasil, o ensino técnico, por muito tempo, foi responsabilidade do SENAI e do Senac, acho que, para entender isso, é preciso olhar para o período de nossa industrialização, para a Era Vargas e tentar compreender o que foi feito naquela época. Desde então, não se pensou o ensino técnico com cuidado. O Estado não se envolvia nessa matéria.
Hoje, há iniciativas de governos estaduais e da própria União, visando a ampliação do número de escolas técnicas no país, mas a defasagem é tão grande que levaremos anos para alcançarmos um número satisfatório de escolas profissionalizantes. Creio haver um conflito de interesses. Se houver uma oferta suficiente de vagas em escolas técnicas, o setor privado de educação pode perder muitos alunos.
O Quebec, que é a província onde eu moro, possui um grande número de Cégep’s – o Colégio de Ensino Geral e Profissional. É um sistema complexo de ensino superior. Em primeiro lugar, devo ressaltar que eles são públicos, e o cidadão paga um valor irrisório por ano, apenas uma taxa administrativa, a maior parte do custeio é feita pelo governo do Quebec, ou melhor, pelos impostos da população. O governo apenas gerencia e aplica os recursos.
Nas outras províncias, o Cégep é chamado “College”. Ele pode ser tanto Técnico quanto Pré-universitário. A ideia é dar a todo cidadão uma formação profissional que o capacite ao mercado de trabalho, ou que o direcione às grandes universidades do país.
Cidadania Pensante: Qual é a medida da valorização de um professor/cientista por lá? Isso interfere no comportamento das pessoas em um momento de pandemia como estamos vivendo?
Elias Louzeiro: Em primeiro lugar, o negacionismo não é tão amplo. As pessoas que têm um bom acesso à informação e à ciência, logo, dificilmente, se deixarão levar por boatos e desinformações, tal qual ocorre no Brasil. Em segundo lugar, há um culto à ignorância em nosso país que ultrapassa a barreira do bom senso.
Cidadania Pensante: Há uma onda negacionista no Brasil que pode respingar, inclusive, na aplicação de uma eventual vacina contra o coronavírus. A educação pode ser o principal antídoto contra esse tipo de comportamento?
Elias Louzeiro: Conta-se que, durante a Revolta da Vacina em 1904, as classes populares desconfiavam dos métodos de Oswaldo Cruz – o médico sanitarista responsável por conter as doenças daquele período. Porém estamos falando de um século atrás, quando o Brasil era uma nação de analfabetos. Hoje, em 2020, ainda temos pessoas discutindo o caráter e a eficácia da vacina chinesa, a origem do vírus, a validade da cloroquina... Será que somos uma nação de analfabetos, ou uma nação de ignorantes que desacreditam da ciência? Enfim, acho que o Brasil ainda espera pelo Aufklärung.
Cidadania Pensante: Em que mais se diferem os alunos? Quais as consequências dessa diferença?
Elias Louzeiro: Olha, Rafa, eu não consigo te responder com qualidade essa pergunta. Eu trabalhei por dez anos em escolas privadas de São Paulo... Os alunos brasileiros eu conheço, mas não tive a oportunidade de lecionar no Canadá. Então, eu falaria de algo que não sei, isso seria um palpite e, nesse caso, eu faltaria com a verdade.
Cidadania Pensante: Você é a favor do Ensino Superior gratuito? E da opção privada?
Elias Louzeiro: Eu sou favorável ao ensino superior público e gratuito, mas creio que podemos chegar a um consenso e aplicar um modelo partilhado de gestão. O Canadá é um bom exemplo. Eu não sou contrário à Educação Superior Privada, desde que ela busque parâmetros de excelência.
Cidadania Pensante: O papel do professor muda a partir de agora?
Elias Louzeiro: O papel permanece inalterado, ele continuará sendo um
mediador entre o aluno o conhecimento. Mas os meios pelos quais exercerá sua
atividade serão profundamente alterados. De um modo geral, os profissionais de
educação são um pouco avessos ao uso de tecnologias em sala-de-aula. O que
falta na verdade é preparo, é tempo para que eles se adaptem a tais
ferramentas.
Cidadania Pensante: Que mensagem você deixa a quem deseja estudar em um país
como o Canadá?
Elias Louzeiro: Antes de tudo, acredite que é algo possível, algo a ser
alcançável e não um sonho que apenas alguns podem realizar. Eu sou aluno de
escola pública e sempre fui sonhador, sempre achei que seria capaz de fazer
coisas grandes. Seja perseverante, pois esse é um projeto a longo prazo e você
terá de ter paciência, cada etapa vencida é uma vitória alcançada – mesmo as
pequenas etapas são uma vitória.
Informe-se sobre as modalidades de bolsas destinadas aos
estudantes internacionais. As bolsas abrem portas. Estabeleça metas a curto
prazo que sejam factíveis para não desperdiçar energia e, ao mesmo tempo, uma
meta a longo prazo ousada para não se acomodar naquilo que já alcançou. Enfim, como minha mãe dizia “Confie em Deus como se só dependesse d’Ele, e se empenhe
como se dependesse só de você”.
Comentários
Postar um comentário